quinta-feira, 27 de maio de 2010

Alguns apontamentos da ‘Educação Popular’ frente à construção de uma escola cidadã


(Re) definindo conceitos

A educação popular surgiu na América Latina no calor das lutas populares dentro e fora do Estado. Nesse sentido, afirma Gadotti (1999: 06),

A educação popular, como prática pedagógica e educacional pode ser encontrada em todos os continentes, manifestadas em concepções e práticas muitos diferentes e até antagônicas. A educação popular passou por diversos momentos epistemológicos – educacionais e organizativas, desde a busca pela conscientização, nos anos 50 e 60, e a defesa da escola pública popular comunitária, nos anos 70 e 80, até a escola cidadã, nos últimos anos, num mosaico de interpretações, convergências e divergências.

Desta forma, a proposta de refletir acerca da Educação Popular enquanto produto histórico do seu tempo implica muito mais que partir em busca de apreciação de conceitos – sem ter a intenção de fugir desta prática. Devemos ir além, o que certamente nos remete a necessidade de buscar bases sólidas, sobretudo, através de suporte teórico que convirjam conhecê-la e entendê-la em seu contexto histórico.

Entretanto, convém aclarar que a Educação Popular tal como conhecemos hoje encontra sua origem no século XIX, época em que houve grandes transformações sociais e políticas. Aos olhos de muitos, educar o povo parece muitas vezes o modo de lutar contra as dissidências operárias e de chegar à pacificação social. Além disso, a Educação Popular se fundamenta na existência de um projeto social específico, um verdadeiro “humus social e cultural”. Assim, esses dispositivos a fazem um espaço, sobretudo, de ações e práticas, e não me meros discursos, cujo risco é virar ideologia. Nessa ótica, a Educação Popular se situa na ação, da qual tem o papel de extrair sua legitimidade.

Segundo Paludo[1] (2001:53 ), a “Educação Popular representa uma concepção de educação que inicia sua gestação com o projeto de modernidade brasileira e latino-americana, cujos contornos se inovam e começa a se delinear de forma mais clara, ganhando adesões nos anos 60 e aprofundando-se nas décadas de 70 e 80”[2] . Partindo dessa observação, cremos não ser exagero assinalar que as décadas mencionadas foram responsáveis pelas mais vivas e fecundas elaborações de Educação Popular que hoje conhecemos, a exemplo pode-se mencionar a obra e prática de “Paulo Freire, que defendia a educação como prática da liberdade. A noção de liberdade na pedagogia de Freire tinha uma posição de relevo. Segundo ele, essa noção:

é matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e critica dos educados” (FREIRE, 2006: 13)

E que,

“a conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente libertadora e por isso respeitadora do homem como pessoa” (FREIRE: 2002: 45)

Sob este ponto de vista afirma Beisiegel (1992: 42), o processo educativo então desenvolvido por Paulo Freire surgia como expressão educacional de um projeto político, ou seja, um projeto que estivesse comprometido com um ideal de “transformação pacífica” da sociedade de forma a envolver ativamente o povo nas atividades políticas, estimulando a criação de organizações populares, no campo e na cidade. Streck (2006:10), afirma que a Educação Popular procurou ser uma prática político-pedagógica de formação do público a partir de um lugar que se identificava com quem estava de fora ou por baixo na escala social, dependendo das teorias explicativas do popular.

De qualquer modo, partindo das premissas levantadas, acreditamos ser necessário frisar que a concepção de Educação Popular que aqui abordamos busca apontar para aquela que nasce de uma prática pedagógica, política e social. Levando em consideração que todo ato cultural é pedagógico e todo ato pedagógico é cultural, pode-se afirmar que a Educação Popular é aquela direcionada às camadas populares, voltada para as suas necessidades e atendendo os seus interesses, tornando os indivíduos elaboradores de sua própria cultura. Este processo pode acontecer dentro ou fora dos muros institucionais.

Educação do Povo x Educação popular

Nesta direção convém esclarecer que a presente reflexão busca apontar uma distinção básica entre Educação do Povo e Educação Popular que como podemos perceber aponta algumas diferenças. É comum, quando se aborda a questão educacional, ouvirem-se expressões como: “educação popular”, “educação do povo’, “educação das massas”. Ora o adjunto adjetival de tais expressões é por demais problemático. Como afirma o professor Beisiegel

“o termo popular envolve um alto teor de indefinições, apenas sugere, mais do que esclarece, tanto a natureza quanto a extensão dos fenômenos que procura especificar” (BEISIEGEL, 1994, p. 54)

O conceito popular abriga conotações muito distintas entre si, apontando desde a idéia de classe social às classes subalternas, pobres, marginalizados, oprimidos e excluídos. Já o termo popular dirige-se a todas as camadas da população, com atenção especial para aquelas que estão despossuídas de bens saberes ou poderes legitimados. Para Streck (2006: 32) a educação popular não tem como ponto de partida um único lugar, e também não tem como ponto de chegada um único projeto. O autor defende que:

O ponto de partida pode ser as mulheres, os povos indígenas, os camponeses, os desempregados, os moradores de rua ou os trabalhadores da indústria e do comércio, cada um desses segmentos sociais com suas formas de organização, pautas de luta e projeto de sociedade. O ponto de chegada que se deseja pode variar desde a ampliação de espaços na sociedade existente até a criação de um modelo alternativo, parcial ou totalmente distinto daquele que existe (STRECK, 2006: 20).

Talvez uma característica definidora da Educação Popular seja exatamente essa busca de alternativas a partir de lugares sociais e espaços pedagógicos distintos, que têm em comum a existência de necessidades que levam a querer mudanças na sociedade. É uma prática pedagógica realizada num espaço de possibilidades.

Segundo Mauruel (2000:15) existem três conceitos de povo e, por conseguinte, três princípios de ação que dele decorre respectivamente: político, social e antropológico. Na concepção política advinda do século XVIII, trata-se do povo chamado a manifesta-se pelo voto, quer dizer um conjunto de “cidadãos” constitutivos da vontade geral. A esse conceito, acrescenta-se, segundo ele o aspecto social de povo no qual este último representa a fração que sofre, reunindo pessoas e grupos sociais que não participam da vontade geral. Por último, este é o é conceito antropológico de povo, entendido como uma comunidade regida pelo fato de partilhar uma identidade. Percebe-se desta forma, que a educação popular situa seu campo no cruzamento dos três conceitos defendidos pelo autor. O fato é que o(s) público(s) entre o qual a educação popular pretende agir é bastante diversificado.

Paludo (2001) afirma que a primeira (povo) diz respeito à velha e sempre renovada discussão da educação das classes populares, enquanto a segunda (popular) se refere a uma das concepções de educação das classes populares presentes na sociedade brasileira, ou seja, a concepção de Educação Popular. Assim, buscamos entendê-la como uma prática social que vem ganhando contornos ao longo da história e cuja importância se dá pela instrumentalização do homem pela democratização da cultura. Segundo Freire (2006: 117),

A cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. O sentido transcendental de suas relações. A dimensão humanística da cultura. A cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Como uma incorporação, por isso crítica e criadora, e não uma justaposição de informes ou prescrições “doadas”. A democratização da cultura(...).

Haveria uma matriz de um pensamento popular historicamente construído, a partir da qual as idéias são adaptadas, transformadas ou rejeitadas, o que vai depender do contexto histórico no qual está inserida.

por Fabíola Andrade Pereira* & Vivian Galdino de Andrade**

Leia a íntegra no endereço:http://www.espacoacademico.com.br/082/82pereira.htm


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